Data de publicação: 21/12/2006

Amores e lágrimas à beira da fonte eterna...
A Companhia Nacional de Bailado (CNB) estreou no Teatro Camões, em Lisboa, a 50ª obra de Olga Roriz, “Pedro e Inês”.
Depois das “Troianas”, na década de 80, nunca mais a coreógrafa voltara a uma casa que nos últimos tempos tem andado completamente à deriva e cuja contribuição artística ao País tem sido, a todos os níveis, contestável!
Roriz voltou em grande com uma peça que apela a um facto histórico com enorme carga simbólica e que depois de Francis Graça, no Verde Gaio (1940), da norte-americana Ana Ricarda, na Companhia do Marquês de Cuevas (1953) e Lazlo Tamasik, na própria CNB, em 1978 – sempre com o Teatro de S. Carlos por pano de fundo - que se saiba, nunca mais havia servido de tema para espectáculos bailados.

Estes
amores trágicos, qual “Romeu e Julieta” luso, estiveram
recentemente numa obra apresentada em Coimbra Capital
Nacional da Cultura 2003, e servem às mil maravilhas ao
universo de Olga Roriz, muito à vontade nos caminhos de uma
teatralidade exacerbada que se
desmultiplica em personagens que mais não são que
arquétipos que tocam bem fundo.
A matemática nas danças de Roriz é geralmente obtusa e aqui,
“nascem”, sucessivamente, sete Ineses
à beira de uma espécie de Fonte das Lágrimas estilizada,
outros tantos Pedros que, por
vezes se confundem com cinzentos carrascos, e um atormentado
Afonso IV (Alexandre Fernandes) à volta do seu solitário
trono. A atmosfera onírica, a
que se associam os amores e a morte de Inês – esta que se
adivinha decorrente da inquietação e remorsos espelhados no
rei-sogro – culmina com um
belíssimo dueto que deixa em turbilhão o espelho de água,
protagonizado por Henriett
Ventura e Carlos Pinillos.
Este é o
momento mais sublime da obra em que o amor abandonado e
sôfrego terá um fim que compete aos melhores amantes.
Depois de um beija-mão sinistro todos abandonam um D. Pedro
(Didier
Chazeau) solitário e vergado pelo desgosto,
depositando um eterno beijo na amada Inês (Ana Lacerda)
enquanto as suas alucinadas lágrimas vão engrossando os rios
e os mares para toda a eternidade.
Em conclusão, a obra nasce e desenvolve-se partindo-se do
princípio que a trama é, por demais, conhecida, o que, do
ponto de vista dramatúrgico, nem
sempre resulta num processo claro. Apesar de se perceber, de
antemão, que a coreógrafa toma imensas liberdades quanto ao
belo episódio histórico que Camões tão bem cantara nos
“Lusíadas”.
A bela colagem musical - em que sobressai a música de Arvo Part – e a iluminação adequadíssima (de Cristina Piedade) à depurada cenografia de João Mendes Ribeiro, não conseguem libertar esta interessante dança de um certo “arrastamento” num final que peca por se estender muito para além de um adequado epílogo quando Pedro, arrastando uma Inês há muito morta, se abeira do rectângulo de água que, em tempos, fora palco de todo um oceano de emoções.
