Foto recorte DANÇA e POlÍTICA 

É curioso reflectir sobre o que (ainda) faz correr Mário Vieira de Carvalho, recém destituído do cargo de Secretário de Estado da Cultura, para tão repetida e exaustivamente vir a público - no Jornal Público - defender um dos seus “rebentos” dilectos, o OPART - entidade pública empresarial que gere, em conjunto, a Companhia Nacional de Bailado (CNB) e o Teatro Nacional de S. Carlos?

Será o receio de que a nova equipa ministerial mude de rumo, dando uma volta de 180º, ou a necessidade de continuar a publicitar “obra feita”, designadamente a que tinha como objectivo “salvar” os teatros nacionais?

Todavia, não se terá o Ministério da Cultura (de Vieira de Carvalho e Isabel Pires de Lima) esquecido de explicar aos Portugueses o seu conceito de “teatro nacional”? Para além de um modelo de gestão comum (ou semelhante), do ponto de vista programático e de meios humanos, o que fará “nacional” a Companhia de Bailado estatal e os teatros S. Carlos, D. Maria II ou S. João, do Porto?

Sabemos que a legislação pretende ser clara, havendo portarias que definem, com um certo rigor, o âmbito e funções dos chamados “teatros nacionais”. Porém, a avaliar pelo trabalho desenvolvido no Teatro D. Maria II, no S. Carlos e, sobretudo, na CNB, há muito que entrámos no reino da mais pura ficção…

O musicólogo Vieira de Carvalho fez questão de afirmar (num texto publicado em 25 de Março de 2008) que os membros do Conselho de Administração do OPART estão sujeitos ao Estatuto dos Gestores Públicos para “condicionar as suas remunerações” não desvendando, porém, o critério que o Conselho de Ministros utilizou para a sua contratação!

Ficámos também a saber que os directores artísticos do S. Carlos e da CNB – porque Carlos Fragateiro/ D. Maria II e Ricardo Pais/ Teatro S. João, tiveram a sorte de ficar “resguardados” deste “maravilhoso” OPART - são “escolhidos em conjunto pelos responsáveis dos ministérios das Finanças e da Cultura”.

Mas será que alguém acredita que Teixeira dos Santos conhecia a fundo o percurso artístico de Vasco Wellenkamp para lhe confiar o lugar de director artístico da CNB? Certamente não terá sido pela péssima coreografia, “Gestos de Filigrana” que criou para aquela companhia em 2005 nem pelas provas dadas anteriormente como gestor no seu pequeno grupo (Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo) que está à beira da falência e acabou por despedir dois terços dos seus bailarinos, para além de pessoal técnico e administrativo!

E se o publicitado reforço de “autonomia e autoridade” do director da CNB relativamente ao OPART não é uma falácia, como se justifica que a programação de 2008 seja a mais decabelada e indigente dos 30 anos de existência da companhia?

Pergunte-se aos antigos e actuais artistas da CNB como se sentem ao ver bailarinos contratados pelo Estado a receber sem fazer nada ou a participar em programas de televisão e a companhia sem verbas para criações, sem um reportório minimamente “nacional” e sem jovens portugueses no elenco!

Pergunte-se aos 50 bailarinos que fingem que trabalham em Lisboa e fazem aulas em público para mostrar o seu descontentamento, quando andam cerca de 20 em digressão pelo País!

Se era para acabar de vez com a CNB o melhor foi mesmo não abrir concurso para director artístico e repetir o disparate de 85 voltando a juntá-la ao S. Carlos.

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Entre os anos de 2000 e 2006, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o número de espectáculos de dança quadruplicou, sendo que os de dança clássica passaram para o dobro e os de dança contemporânea quase quintuplicaram.

Ficaram de fora deste estudo, cujos valores parecem pouco fiáveis por terem sido fornecidos pelos produtores e carecerem de homologação oficial, os espectáculos de folclore.

Quanto às receitas, duplicaram na dança clássica e não se alteraram significativamente na contemporânea, porque passaram a ir menos pessoas a cada espectáculo. O número de espectadores, por evento, não sofreu alterações na dança clássica mas na contemporânea caíram para metade.    

Os referidos números pretendem medir o pulso ao País mas, tendo em conta que a diferença entre a actividade teatral da capital e de uma cidade dos Açores (ou Madeira) é abismal, o estudo perde muita da sua credibilidade.

Algarismos à parte, o cerne do problema está em saber qual é a verdadeira percentagem de espectáculos produzidos e dançados por artistas portugueses em Portugal. Demasiado baixa, certamente. Com os últimos anos de crise financeira, e também criativa, o sector tem-se vindo a retrair com companhias a fechar ou a reduzir drasticamente a sua actividade.

Enquanto a Companhia Nacional de Bailado, refém do OPART recém instalado no Teatro de S. Carlos, atravessa uma temporada com um reportório indigente e nada estimulante, as companhias ditas “independentes” são cada vez menos companhias (funcionando com o mínimo de artistas e, quase sempre, contratados à peça) e mais dependentes!

Com a nomeação de um novo Ministro da Cultura, que, de imediato e muito acertadamente, substituiu o Director Geral da Artes, espera-se que façam mais e melhor porque já estivemos bem mais longe de bater no fundo.