Data de publicação: 10/06/2008
Cada vez menos coreógrafo e cada vez mais espectador das suas próprias memórias – transferidas para corpos alheios – Miguel Pereira, trouxe-nos, em “Doo”, estreado no Centro Cultural de Belém inserido no Festival Alcântara, uma espécie de revisitação de um longínquo tempo de ingénua felicidade passado em África.
Com alguma ironia e um tudo-nada de pretenciosismo (diz ter começado a pensar a peça no Cairo, passado por Nairobi e ter aterrado em Maputo, para além de ter procurado mais inspiração em “residências” em Vila Velha de Ródão e Faro) fala-nos da sua despreocupada infância em Moçambique, onde os colonizadores, juntamente com os nativos, também dançavam a marrabenta, e onde, recentemente, lhe foi recusado ver o interior da casa onde nasceu! A avaliar por tanto carimbo no passaporte será legítimo perguntar quanto custou a cada contribuinte português este trabalho que Miguel Pereira divide em palco com o bailarino Bernardo Guiamba (Pak) e o técnico Jari Marjamaki.
Tudo se passa num palco nu em que o artista começa por colocar um gira-discos a tocar (quantas vezes já se viu tal expediente em cena?) e liga uma ventoinha, sugerindo um certo quotidiano português nas ex-colónias, à frente de um banco corrrido em que “performers” e técnico de computação aparecem, inicialmente, sentados.
Está, assim, dado o mote para um pretenso regresso às origens na velha Lourenço Marques...
Tirando uma pequena dança em dueto (o branco e o negro em informal convívio), cabe a Pak desenvolver toda a parte coreográfica - enquanto Miguel assiste sentado - e protagonizar uma longa sequência de percussão com os tacões de um par de sapatos no solo.
A determinada altura, a batida vai sendo electronicamente modificada, em tempo real, com os sons multiplicados num ensurdecedor “crescendo”, como epílogo de uma peça com laivos de nostalgia mas que não apresenta ideias verdadeiramente atractivas ou inovadoras.
Muito se poderá "filosofar" sobre a pertinência histórica, o expugar de fantasmas políticos, ou, mesmo, as boas intenções de Miguel Pereira, mas o que é certo é que o tema tem vindo a ser tratado com muito maior profundidade e rigor na história da recente literatura portuguesa.