Data de publicação: 03/06/2011
Na breve história da Companhia Nacional de Bailado (CNB) houve, em tempos, um coreógrafo que se julgava o próprio Balanchine; um outro que, nos seus mais delirantes sonhos, imaginava que era Marius Petipa e um terceiro que muito tentou ser o Kylián português. Para compor o ramalhete só faltava a reincarnação da defunta Bausch. E assim se completa um quarteto de onde saíram algumas propostas pontuais com interesse mas nunca um verdadeiro corpo de trabalhos que constituísse um acervo de irrepreensível qualidade na companhia e, muito menos, um reportório nacional digno desse nome! Talvez buscando em coreógrafos tão esquecidos como Carlos Trincheiras ou Águeda Sena se encontre um pouco mais de alma portuguesa… e menos de efeito de moda.
E, entre outras coisas, é por isso que a CNB está na confrangedora posição em que está! E que, desejavelmente, poderá não está assim tão longe de ter um fim a vista…
A presente temporada tem sido pouco mais que decepcionante e a nova criação de Olga Roriz, “Noite de Ronda”, nada de novo ou estimulante trouxe ao Teatro Camões e, sobretudo, aos artistas e técnicos da CNB.
A coreógrafa de “Pedro e Inês” fica sempre além das expectativas quando opta por bailados opacos em que o fio de narrativa não passa de um somatório de quadros compostos por… encenadas banalidades. Em “Noite de Ronda”, apesar de um enorme, caro e pesado aparato cénico constituído por andaimes e escadas metálicas, da autoria de Pedro Santiago Cal, os figurinos são o “clássico” bauschiano – mulheres de vestidos de cerimónia e homens de fato – e a selecção musical menos “melancólica” e mais agressiva que o normal em Roriz . Os movimentos e os gestos são o esperado numa peça em que as mulheres, supostamente frágeis e sofridas, parecem saídas de um anúncio de champô, e os homens tentando impor uma aura de dominadores e machos cumprem umas rotinas aeróbicas em jeito de competição ou de manobras de discoteca.
A coreografia de “Noite de Ronda” deixa a impressão que estamos perante uma peça análoga a muito jornalismo da actualidade que visa apenas encher páginas de jornal para justificar a secção dos anúncios! Até chegar à voz da carismática Rocio Jurado na sentimental canção de Augustin Lara que dá o nome à peça, há revoadas e revoadas de corpos que se atiram pelo ar ou se abandonam ao solo numa espécie de forçada história entre eles. Na verdade, Pina Bausch afirmava recorrentemente que não lhe interessava muito como é que os seus bailarinos se mexiam mas, sim, o que os fazia mexer. E este é o dilema desta “Noite de Ronda” em que 32 bailarinos raramente apontam para o que os faz, realmente, levantar da cama para ensaiar cada manhã.
Do ponto de vista criativo a peça, de pouco mais de uma hora, perde-se por lugares comuns (homem- beija-mulher-mulher-dá-estalos-a-homem) e, mesmo, por cenas gratuitas com os homens a descer as calças para mostrar o traseiro e as mulheres, de um modo desnecessário, a mostrar as mamas. Se era para dar um pouco de “erotismo” a um trabalho que, apesar destes truques, se revela seco como um pau, a tímida tentativa de desnudar os troncos do elenco feminino e tapando-o com as mãos, não terá sido a melhor opção.
A “multidão” de bailarinos, habituados aos textos coreográficos de Roriz mas nem sempre entrosados num tipo de coreografia que não se compadece com imaturidade vivencial ou falta de profundo envolvimento e, até, um pouco de saudável loucura, fizeram o que puderam e melhor sabem fazer dentro de um forçado anonimado imposto pelos grandes conjuntos que impressionam em número e em quantidade de movimento mas não convencem no detalhe nem na inventiva.
Quem quiser aferir comparações, em termos da estética da chamada dança-teatro, nesta altura, é fácil. Estão nos cinemas lisboetas nada menos que duas películas sobre a vida e obra de Pina Bausch. E a de Wim Wenders é, seguramente, de qualidade superior…